Pela revogação da Portaria 545 do MEC: em defesa das cotas na pós-graduação brasileira

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Na última quarta-feira (17/06), o ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub revogou, por meio da Portaria Nº 545, de 16 de Junho de 2020, a Normativa nº 13, de 11 de maio de 2016, que induzia as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) a construírem propostas para a inclusão de pessoas negras, indígenas e deficientes nos programas de pós-graduação.

Apesar de não obrigar a implementação das cotas, essa portaria teve caráter essencial na ampliação das ações afirmativas nos sistemas de ingresso dos programas de mestrado e doutorado. Muitas universidades a interpretaram como obrigatória, desenvolvendo, posteriormente, políticas de inclusão para seus editais de ingresso na pós-graduação. Sendo assim, o número de programas com reserva de vagas para negros e indígenas cresceu significativamente de 2016 para cá, conforme aponta a pesquisadora Anna Carolina Venturini (2019). A promulgação da normativa de 2016 consolidou os resultados de lutas e articulações políticas que o movimento negro brasileiro estabeleceu com os principais setores governamentais da educação. Ao ignorar esse processo, a ação arbitrária do ex-ministro foi na contramão de todos os avanços referentes à ampliação do acesso à educação e à democratização do ensino superior, uma vez que, o Estado Brasileiro reconhece a importância das cotas raciais desde 2012.

É notável que Abraham Weintraub atacou todos os níveis da educação pública no Brasil ao longo da sua gestão no Ministério da Educação. Mesmo no contexto de pandemia do COVID-19, ele defendeu o posicionamento contrário ao adiamento do ENEM enquanto pode; adiou as inscrições para o SISU, PROUNI e FIES; não respeitou os ritos democráticos, promulgando a MP 979 que tinha como objetivo intervir na nomeação dos reitores das universidades federais, medida que foi revogada após a mobilização da comunidade acadêmica.

Além disso, é importante destacar os recentes cortes de bolsas da CAPES e do CNPQ. A redução do montante das verbas enviadas para a pós-graduação compromete seriamente a permanência e a produção de pesquisadores negros, indígenas e pessoas com deficiência (PcDs), pois, são esses os estudantes que dependem de bolsas para dar continuidade na formação. Em 2019, o MEC realizou um corte nos recursos da CAPES, chegando a suspender até 70% das bolsas dos programas com notas 3 e 4. Com o desfalque mais recente, resultado da edição da Portaria 34, a Unicamp perdeu 94 bolsas de doutorado. Programas de excelência e com nota máxima foram prejudicados. A Pós-Graduação em Engenharia Elétrica, por exemplo, perdeu 21 bolsas de doutorado. O programa de Multimeios (Instituto de Artes) perdeu todas as bolsas de mestrado e doutorado, devido os “contingenciamentos” de 2019 e 2020.

A portaria normativa de nº 13, de 11 de maio de 2016 representa um avanço para a construção de uma pós-graduação mais democrática e inclusiva. A partir de sua publicação, diversas universidades federais se colocaram para refletir sobre os processos seletivos e apresentaram propostas visando romper com a meritocracia e garantir a diversidade étnico-racial na produção da ciência brasileira. Segmento que ainda não representa a realidade demográfica do país. Hoje, 80% do total dos nossos pesquisadores são brancos. Sendo assim, a indicação da elaboração de políticas de cotas é fundamental pois, além de contribuir para transformação do quadro atual da produção do conhecimento, elas serviram, como base para a ampliação, efetivação e aprimoramento da política de cotas nas universidades estaduais, como é o caso da Unicamp.

Entre os 24 institutos e faculdades da Universidade Estadual de Campinas, apenas 5 contam unidades contem com políticas de ação afirmativa. Dos 90 programas de pós-graduação da Instituição, apenas 23 já implementaram as cotas étnico-raciais e/ou para PcDs em seus processos seletivos. Perante a esse cenário preocupante, nós, estudantes pró-cotas, sentimos a necessidade de nos organizar a partir desse Grupo de de Trabalho que se dedica a pensar formas de expansão dessa ação afirmativa na Universidade Estadual de Campinas. Nós estamos discutindo e articulando sobre as melhores maneiras de enfrentar a resistência à implementação das cotas nos cursos de mestrado e doutorado. Entendemos que a revogação dessa portaria reafirma e contribui com a manutenção da desigualdade e fortalece a manutenção das estruturas do racismo, do capacitismo e todas as formas de interdição que têm sido utilizadas para inviabilizar a presença negra, indígena e de PcDs em uma espaço importante e necessário.

Com a intenção de mudar essa realidade, os movimentos sociais, que historicamente têm pautado a necessidade das cotas no sistemas de ingresso dos cursos de graduação e pós-graduação, entendem que é preciso defender e expandir as políticas de diversidade na universidade. Uma vez que o processo de reparação e concretização da cidadania de grupos marginalizados no Brasil está no início. As ações afirmativas não representam, apenas, a possibilidade de combater as desigualdades sociais, promover concorrência justa no mercado de trabalho e novas oportunidades econômicas para as populações negras, indígenas e de pessoas portadoras de deficiência. Elas representam, também, a garantia de uma formação social e teórica plural, de uma produção de ciência e tecnologia diversa.

Posto isso, nós, exigimos a revogação da Portaria de Nº 545, de 16 de Junho de 2020. Seguiremos vigilantes e atuantes na defesa das cotas. A nossa luta não será interrompida.

Campinas, 19 de junho de 2020 Grupo de Trabalho — Cotas na Pós da Unicamp

Assinam essa nota:

Núcleo de Consciência Negra da Unicamp Associação de Pós-Graduandas e Pós-Graduandos da Unicamp

Para subscrever a nota, acesse: http://bit.ly/RevogaPortaria545

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